Você também se sente acelerado?
- sitenuesde
- 29 de mai.
- 6 min de leitura
Por Thalita Sarlo

Frases como “Estamos muito acelerados” ou “é preciso desacelerar” tornaram-se comuns no discurso em nosso tempo. Sentimos no corpo essa aceleração, mesmo que na forma de adoecimento físico ou psíquico. Ouço isso de amigos em conversas rotineiras: sintomas de ansiedade e aceleração misturados com apatia.
E por que estamos acelerados? Uma resposta do senso comum diria que a culpa é da tecnologia, das redes sociais, dos conteúdos que consumimos em maior quantidade e em menos tempo. Mas o sociólogo alemão Hartmut Rosa tem uma teoria sobre a aceleração social que torna essa resposta mais complexa. Para ele, a tecnologia, por si só, não é a causa da aceleração social. Ele nos convida a pensar em um exemplo simples.
Se com os avanços tecnológicos conseguimos diminuir o tempo para realizar processos cotidianos, como produzir um bem, se transportar de um local para o outro, reproduzir um livro, responder mensagens, por que estamos com o tempo cada vez mais escasso? Por que sentimos “fome de tempo”?
Rosa discute que, na Modernidade, os atores sociais parecem sentir o tempo como se fosse uma matéria-prima que, ao ser consumida, vai se tornando cada vez mais escassa e valiosa. Essa percepção do tempo é mais um efeito da aceleração das mudanças sociais e da aceleração tecnológica, formando um outro fenômeno de outro tipo: a aceleração do ritmo da vida.
Na aceleração do ritmo da vida, ele destaca que há um lado subjetivo e outro objetivo. No aspecto subjetivo, surge nos indivíduos a sensação de estresse, de estarem sob pressão do relógio, de perceberem o tempo como escasso. A pergunta interna que nos fazemos é “será que consigo acompanhar o ritmo da vida social?” Ou, mais diretamente: “será que eu dou conta?”
No aspecto objetivo, “acelerar” significa fazer mais coisas em menos tempo. Rosa destaca atividades rotineiras como dormir, caminhar e conversar. Penso que é ainda mais fácil exemplificar esse fenômeno se você revisar o seu dia: ouvir um Podcast enquanto caminha ou se desloca, diminuir o tempo de escrita de um e-mail usando inteligência artificial, responder uma mensagem de whatsapp enquanto faz uma refeição...
Segundo o autor, de modo algum a tecnologia força ou induz a ler ou escrever mais mensagens por dia, ainda que ela seja uma condição que possibilita isso. Esse ponto é particularmente discutível, uma vez que as Big Techs estudam o comportamento humano e buscam exatamente modificá-lo, por meio de notificações e algoritmos cada vez mais eficientes nesse sentido. Ainda assim, a análise de Hartmut Rosa conduz a contradições do que pensamos acerca de nossa relação com as tecnologias atuais:
“A aceleração tecnológica deveria logicamente implicar um aumento do tempo livre, que por sua vez diminuiria o ritmo da vida ou ao menos eliminaria ou aliviaria a fome de tempo. Uma vez que, acelerando a tecnologia, menos tempo é necessário para realizar uma tarefa pendente, as horas deveriam se tornar abundantes. Se, muito pelo contrário, a sociedade moderna vê o tempo se tornar cada vez mais escasso, logo, existe aí um efeito paradoxal que demanda uma explicação sociológica” (Rosa, 2022, p.31).
Richard Sennett analisou que, no novo capitalismo, é bastante natural que a flexibilidade cause ansiedade: “as pessoas não sabem que riscos serão compensados, que caminhos seguir” (Sennett, 2015, p. 9). A flexibilidade, em tese, daria às pessoas mais liberdade para moldar suas vidas. O que Sennett mostra é que, na verdade, ela impõe novos controles, em vez de abolir os controles rígidos do passado. “Esses novos controles são difíceis de entender. O novo capitalismo é um sistema de poder muitas vezes ilegível” (Sennett, 2015, p. 10).
Em síntese, para Hartmut Rosa, "a aceleração social produz novas experiências do tempo e do espaço, novos padrões de interação social e novas formas de subjetividade; por consequência, ela transforma o modo como seres humanos são definidos ou situados no mundo – e o modo como eles se movem e se orientam nele". Gosto muito de como ele também diz que essas mudanças não são, por si só, "boas" ou "ruins". Enquanto sociedade, geralmente temos o hábito de julgar os fenômenos antes de tentar explicá-los e refletir sobre eles. O que Rosa ressalta, entretanto, é que "mudanças dessa magnitude certamente trazem consigo o potencial para criar patologias sociais, isto é, desenvolvimentos disruptivos que causam sofrimento humano e/ou infelicidade".
Mas, se não é a tecnologia por si mesma a causa da aceleração social, qual seria então? Rosa apresenta três respostas para compreender o processo de aceleração na Modernidade:
O primeiro é o motor social: a competição. A aceleração tecnológica surge como consequência de um mercado capitalista competitivo. Essa lógica competitiva se manifesta em diversas esferas: na dimensão individual, na política, na ciência, nos esportes, na economia, nas artes e até mesmo na religião. Tomemos a ciência como exemplo: professores e pesquisadores competem por recursos, o que, por sua vez, alimenta uma lógica acelerada e produtivista.
Na Modernidade, a posição de um indivíduo na sociedade não é predeterminada por seu nascimento e também não permanece estável ao longo da vida. Por isso, está em constante negociação competitiva. O princípio determinante na competição é a realização, ou seja, a capacidade de trabalhar ou o esforço por tempo. Assim, “acelerar e economizar tempo estão diretamente vinculados ao ganho de vantagens competitivas” (Rosa, 2022, p.39).
Interessante pensar como essa lógica dialoga com a perpetuação das desigualdades sociais. Como analisou Jessé Souza (2018), a classe média compra o tempo (a baixo custo) das classes inferiores para realizar, por exemplo, as tarefas domésticas ou o cuidado dos filhos enquanto “ganha tempo” para atividades intelectuais, cursos que lhe colocam em posição superior ou que perpetuam a sua condição de classe. Ou seja: reproduzimos desigualdades ao passo que ganhamos vantagens competitivas.
O segundo é o motor cultural: a promessa de eternidade. O mundo parece oferecer sempre mais possibilidades do que as que podem ser vivido no tempo de uma vida. Nesse sentido, Rosa analisa que a aceleração do ritmo da vida surge como solução para essa questão: “se vivermos ‘duas vezes mais rápido’, se gastarmos apenas metade do tempo para realizar dada ação, objetivo ou experiência, podemos dobrar a ‘soma’ de nossas experiências e, portanto, ‘da vida’ dentro de nosso tempo de vida” (Rosa, 2022, p.41-42). Esse mecanismo pode se tornar uma obsessão, na qual a sede de fazer mais coisas e ter mais experiências nunca cessa.
O terceiro e último motor é o ciclo de aceleração. A ideia aqui é que a aceleração tecnológica, a aceleração da mudança social e a aceleração do ritmo da vida formam um sistema fechado que se retroalimenta. Há um elemento que interliga positivamente a aceleração do ritmo da vida e da tecnologia: os novos modelos de interação social e identidade social que surgem a partir deles (Turkle, 1995 apud Rosa, 2022). Essas transformações sociais alteram nossa estrutura, nossas orientações e valorações do agir. Um exemplo citado pelo autor é que nessa sociedade competitiva, o capitalista não pode parar ou descansar. “Ficar parado equivale a ficar para trás”. Assim, todos nós também nos vemos com velocidades aceleradas em todas as esferas da vida: tirar férias prologadas, longos períodos de descanso ou ócio nos fazem sentir desatualizados, obsoletos, perdendo algo e com incerteza constante sobre como escolher usar o nosso tempo, o que é agravado nesse mundo de mudança incessante.
Assim, Rosa argumenta que, na busca por viver uma multiplicidade de vidas em uma só vida, a aceleração promete uma resposta para o problema da finitude da existência e da morte. Coloca, então, um paradoxo que considera ser uma das tragédias do indivíduo moderno: preso e correndo à procura de viver mais e mais experiências, nossa fome de vida e de mundo não será satisfeita, mas frustrada em escalas cada vez maiores.
Nesse contexto, é possível "desacelerar"? Rosa continua a discussão no livro, abordando tanto a desaceleração quanto a relação entre aceleração e alienação. Mas deixo esses assuntos para um próximo texto (se eu tiver tempo!).
Créditos da imagem: https://coletivolirico.com.br/uma-analise-da-obra-a-persistencia-da-memoria-de-salvador-dali/.
Referências:
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter – consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 16ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.
ROSA, Hartmut. Alienação e aceleração: por uma teoria crítica da temporalidade tardo-moderna. Tradução de Fábio Roberto Lucas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2022.
SOUZA, Jessé. A classe média no espelho: sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2018.
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