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O neoliberalismo progressista e o declínio das políticas de diversidade nas grandes corporações

Foto do escritor: sitenuesdesitenuesde

Por Carine Passos


Imagem gerada por IA



Em tempos de crise política ou de aumento do autoritarismo é comum observar que as áreas que não são o substrato da estrutura capitalista saiam do campo de prioridade de governos e instituições. Dessa forma, políticas voltadas para mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTQIAPN+, questões culturais e ambientais, dentre outras são, prioritariamente, afetadas por cortes ou totalmente suprimidas.

Nas últimas décadas, pressionados por movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil, governos e empresas construíram agendas internas que dessem conta de diminuir o problema da falta de representatividade e do desrespeito moral direcionadas a grupos vulnerabilizados. Coalizões, grupos de afinidade e campanhas foram construídas para levar foco à importância do ambiente diversificado.

Acontece que toda a tentativa de diversificação desses espaços sociais foi produzida a partir do que Nancy Fraser (2018) chamou de “programa neoliberal progressista”, onde toda a hierarquia social mantinha sua estrutura de poder, enquanto tentava pincelar um simbolismo de diversidade, em especial, nas publicidades que beneficiam a imagem de determinada instituição. A minha pesquisa realizada aqui no NUESDE provou que os programas de diversidade são por vezes inconsistentes, sem metas estruturais e sem planejamento que leve a resultados sólidos. A maioria tornou-se uma peça de marketing para as instituições que precisam manejar um discurso politicamente correto para com o seu público.

O aumento dos programas políticos conservadores em todo mundo, em especial no ocidente, como nos Estados Unidos com a eleição de Donald Trump para assumir o segundo mandato pós Joe Biden e as disputas que se acirram, na Alemanha com o crescimento do partido populista de extrema-direita, Alternativa Política para a Alemanha (AfD), tem apresentado um novo cenário onde o desmantelamento das ditas políticas de ESG (do inglês Environmental, Social and Governance) aparecem como uma propaganda positiva para o campo conservador. Empresas como: McDonalds, Walmart, Boeing e Amazon anunciaram a diminuição ou o recuo total das políticas de equidade e inclusão nos Estados Unidos.

No entanto, a questão que precisa ser mais bem debatida pela opinião pública é: estamos diante da aniquilação das políticas de diversidade ou da queda do discurso falacioso empreendido nas últimas décadas sobre inclusão?

Se levarmos apenas em consideração a definição conceitual do neoliberalismo progressista, essa questão parece ser facilmente respondida. Fraser chama de “junção improvável” a condução de uma política que pretendia, por um lado, promover a diversidade e a inclusão, enquanto intensificava políticas de livre mercado que tendem a aumentar as desigualdades econômicas, atingindo em especial os grupos que lutam por reconhecimento social e redistribuição. Esse neoliberalismo fantasiado de progressista vendeu a ideia de que é possível redistribuir e expropriar ao mesmo tempo o mesmo grupo social. Numa analogia mais simples: é possível roubar, mas deixar um agrado para a vítima.

Setores mais “radicais” dos movimentos sociais de esquerda alertaram para a impossibilidade de emancipação dentro de uma estrutura propulsora de desigualdades. No entanto, ganhou força um bloco hegemônico caracterizado pelo apoio de setores progressistas liberais à ideia de uma “diversidade meritocrática” onde o mercado de trabalho abria espaço para receber indivíduos dos grupos sub-representados desde que se provassem merecedores, ainda que os verdadeiros espaços de poder fossem mantidos nas mãos de uma elite pertencente a dinastias clássicas.

Essa movimentação veio seguida também de certa separabilidade dos marcadores sociais da diferença, como raça, classe e gênero, como se fosse possível atacar uma dessas variáveis sem que a outra também estivesse conjuntamente elaborando os seus “remédios” e suas saídas. Dessa forma, ficou mais fácil vender e comprar a ideia de que promover a representação das mulheres, ou das pessoas negras, ou de outros grupos sub-representados era suficiente para resolver o problema das desigualdades.

 No Brasil, Jessé Souza elaborou muito bem esse argumento no livro Como o Racismo Criou o Brasil (2021) ao debater sobre como o racismo tem se restringido a questões simbólicas, utilizando categorias que não aprofundam as causas estruturais do racismo no país. Termos como "representatividade" são frequentemente empregados como uma solução para as desigualdades e as injustiças enfrentadas por pessoas negras. No entanto, essas abordagens limitam-se a associar a redução da desigualdade racial à presença de indivíduos negros em posições dentro das hierarquias institucionais, sem promover mudanças mais profundas ou efetivas na estrutura social.

Ainda que reconheçamos que as movimentações promovidas pelo neoliberalismo progressista sejam frágeis, insuficientes e, em muitos aspectos, falaciosa, é necessário posicionar aqui que é possível observar algum nível de avanço, promovido por aspectos simbólicos, em especial para o grupo das pessoas negras, de certo “auto reconhecimento”, valorização de sua própria identidade e reconhecimento de casos de racismo que antes passavam como piadas, brincadeiras ou bullying. É mais comum hoje ver homens e mulheres negras assumindo seus padrões estéticos.

Todavia, sejamos pragmáticos: muitos grupos sub-representados continuam constituindo o que Abdias do Nascimento (1978) chamou de “cidadãos de segunda classe” vivenciando negação de direitos, violência sistemática e desrespeito de ordem moral.  Nenhuma das políticas simbólicas do neoliberalismo progressista tocou nesse aspecto estrutural.

O neoliberalismo vai agora achar outras embalagens para vender a sua política. A da igualdade e equidade já não servem mais no contexto do crescente autoritarismo mundial. As empresas e grandes corporações podem agora retirar suas máscaras de “empoderamento”, “emancipação” e da tolerância à presença de “subcidadãos” como já rapidamente fizeram o McDonalds, Walmart, Boeing e Amazon nos Estados Unidos. Esperamos desejosos que seja possível elaborar respostas ao capitalismo autoritário e o desmantelamento da segurança social.

 

Carine Passos é Doutoranda em Sociologia Política (UENF)

e atualmente Research Fellow (IPU Berlim).

 

 

 

Referências:

 

FRASER, Nancy. Do neoliberalismo progressista a Trump – e além. Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 40 - Set./Dez. de 2018.

 

NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978.

 

PASSOS, C.; MACIEL, F. Mérito e desigualdade: a apropriação da emancipação racial nas grandes corporações através da percepção de lideranças negras. Revista Ciências Sociais Unisinos, Guarulhos, v. 59, n. 2, maio/ago. 2023.

 

SAMAR, Kamuran. Eleições legislativas na Alemanha: quem está à frente nas sondagens? Euronews, 6 jan. 2025. Disponível em: https://pt.euronews.com/my-europe/2025/01/06/eleicoes-legislativas-na-alemanha-quem-esta-a-frente-nas-sondagens. Acesso em 29 jan. 2025.

 

SOUZA, J. Como o racismo criou o Brasil. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2021.

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4 comentários


Carine, sua escrita é maravilhosa! Adorei o texto!

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Leitura muito fluida e elucidativa

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Que texto bom de ler. Direto, didático e com ótimas referências.

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Trump é a personificação do livro "Como as democracias morrem".

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