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O exemplo brasileiro para o atual cenário das políticas de diversidade: ​​A possível resposta latino-americana ao neoliberalismo progressista

Foto do escritor: sitenuesdesitenuesde

Por Zett Ribeiro



Arte autoral (CAOZZZ, 2025)
Arte autoral (CAOZZZ, 2025)

Enquanto uma onda de conservadorismo político invade as grandes corporações norte-americanas e européias, o Brasil abre caminhos para novas possibilidades e resistências no âmbito de políticas de diversidade. 

O texto de Carine Passos, publicado anteriormente, “O neoliberalismo progressista e o declínio das políticas de diversidade nas grandes corporações”, traz considerações importantes sobre a fragilidade das questões da diversidade frente ao sistema capitalista. No entanto, é fundamental discutir como o contexto latino-americano tem apresentado suas próprias estratégias, além do fortalecimento dos movimentos sociais, com o Brasil se destacando na implementação de políticas de diversidade, tanto no cenário político quanto corporativo. 

O capitalismo e suas instituições se apropriam das críticas constantemente como forma de manter sua legitimidade e suas estruturas, uma constante atualização do sistema para o “novo espírito do capitalismo” (Boltanski; Chiapello 2009). Concordando com a perspectiva de Fraser (2018), de que o capitalismo utiliza de determinada imagem a seu favor, é possível argumentar que mesmo as políticas de diversidade e inclusão efetivas nas empresas se tornam parte da proposta de manutenção do novo capitalismo, que hierarquiza e segrega grupos.

Ao mesmo tempo, Boltanski e Chiapello (2009) trazem uma reflexão sobre a segmentação do capitalismo por projetos, uma vez que as instituições já não conseguem mais concentrar todas as suas operações. Esses projetos, como a segmentação de uma empresa por regiões, dificultam o acesso às posições de comando mas abrem margem para novas estratégias de resistências e possibilidades para as diversidades. 

Atualmente, muitas grandes corporações possuem uma atuação específica voltada para a América Latina, a fim de facilitar suas operações jurídicas, econômicas e culturais. A Arcos Dourados, como são denominadas as operações do McDonalds na região, é um exemplo relevante para essa discussão. Enquanto nos Estados Unidos a rede de fast food anunciou a reformulação de suas políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), a Arcos Dourados reafirmou seu compromisso com a pauta. A empresa, aqui no Brasil, implementa programas para desenvolvimento de carreira para pessoas LGBTI+ e outros mecanismos internos de apoio jurídico, psicológico e administrativo específicos para pessoas trans. Embora o debate sobre a precariedade do trabalho nas redes de fast food seja um tema relevante, especialmente para a população trans, aqui nos atentamos à contextualização. 

Vale ressaltar que a Arcos Dourados foi considerada a oitava melhor empresa com mais de 10 mil funcionários para trabalhar no Brasil de acordo com o relatório de 2023 da Great Place to Work (GPTW). Os rankings da GPTW são reconhecidos mundialmente, e entre seus índices de avaliação estão as categorias de “orientação sexual”, “gênero”, “pessoas com deficiência” e “cor e etnia”. Isso pode indicar a relevância da sua atuação no país. 

Nessa mesma onda de resistência, o Instituto Ethos (2025) e outras instituições, representando cerca de 500 grandes empresas, assinaram um posicionamento publicado no final de janeiro sobre o título de “Um compromisso inabalável com o futuro: Por um Brasil mais justo e inclusivo: compromisso, ação e transformação em DE&I”.  Um trecho específico chama a atenção: “Acreditamos que para se tornar o país com que sonhamos, o Brasil depende do talento e do potencial de toda a sua população. Apesar dos desafios, temos condições de ser referência global em DE&I: nossa demografia diversa, o arcabouço legal e político robusto, e os compromissos já assumidos por empresas e instituições criam um cenário ímpar para a promoção de um ambiente de negócios que preze pela inclusão, criatividade e inovação”.

O Brasil hoje tem se tornado referência em políticas públicas e programas de não discriminação, a exemplo da criminalização do racismo e da homotransfobia (LGBTIfobia) pelo Supremo Tribunal Federal e do “Plano Nacional de Trabalho Digno” (Brasil, 2024) do Governo Federal, que “visa integração ao mundo do trabalho” para pessoas LGBTI+.  

Por meio da proposta de uma “mediação intercultural” trazida por Lívia Barbosa e Letícia Veloso (2007), é possível iniciar um debate sobre como a DEI tem se tornado uma tecnologia fundamental para o funcionamento das corporações na América Latina, especialmente no Brasil. Visto o poder da internet e dos movimentos sociais atualmente, essas tecnologias não podem mais ser simplesmente descartadas dentro da cultura das empresas diante de um posicionamento político estrangeiro. Para além de uma peça de marketing ou do chamado “pinkwashing”, os programas de diversidade representam também capitais econômicos e sociais. 

A diversidade, enquanto uma tecnologia de gestão, deve fazer parte de uma estratégia contínua de inovação, que também se adapta às críticas e permite o crescimento capitalista. A diversidade é parte da sociedade brasileira tanto quanto do mercado de trabalho, mesmo sendo evidente a grande lacuna entre esses grupos e as pessoas que ocupam os cargos de comando das empresas. 

Neste momento, é preciso ter em mente que o debate sobre os rumos da diversidade corporativa afeta diretamente a vida de mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTI+ e pessoas com deficiência em seu acesso a trabalho digno e direitos básicos, como moradia e saúde. E, como ocorre há anos com essas populações aqui no Brasil, que as resistências e mobilizações também criem raízes no meio corporativo, servindo de exemplo para um sistema que não tem mais como ser cinza e engessado, mas sim colorido.    


Referências 

ACKER, Joan. Inequalities regimes: Gender, class, and race in organizations. Gender & Society, v. 20, n. 4, p. 441-464, 2006. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0891243206289499. Acesso em 10 out. 2023.


BARBOSA, Lívia; VELOSO, Letícia. Gerência intercultural, diferença e mediação nas empresas transnacionais. Civitas - Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 7, n. 1, jan-jun. 2007, p. 59-85. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/742/74270104.pdf. Acesso em: 02 fev. 2025.


BOLTANSKI, L; CHIAPELLO, È. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.


BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Estratégia Nacional de Trabalho Digno, Educação e Geração de Renda para Pessoas LGBTQIA+ é instituída: Política social de promoção dos direitos das pessoas LGBTQIA+, iniciativa visa integração ao mundo do trabalho, da educação e da geração de renda. [Brasília] Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, 29 fev. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2024/02/estrategia-nacional-de-trabalho-digno-educacao-e-geracao-de-renda-para-pessoas-lgbtqia-e-instituida. Acesso em 11 de maio de 2024.


FRASER, Nancy. Do neoliberalismo progressista a Trump – e além. Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 40 - Set./Dez. de 2018. 


GREAT PLACE TO WORK. Conheças as 150 Melhores Empresas Para Trabalhar em 2023. Disponível em: https://gptw.com.br/conteudo/artigos/melhores-empresas-para-trabalhar-em-2023/. Acesso em 03 fev. 2025.  


INSTITUTO ETHOS. Um compromisso inabalável com o futuro: Por um Brasil mais justo e inclusivo: compromisso, ação e transformação em DE&I. 29 jan. 2025. Disponível em: https://www.ethos.org.br/um-compromisso-inabalavel-com-o-futuro/. Acesso em: 03 fev. 2025. 





 
 
 

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