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O Carnaval e as nuances da distinção

Foto do escritor: sitenuesdesitenuesde

Por Fabrício Maciel


Este ano, depois de algum tempo, eu consegui apreciar o verdadeiro carnaval brasileiro. Tive a chance de visitar um velho amigo na bucólica cidade de Rio das Ostras (Para quem é campista, a cidade dispensa apresentações). A cidade tem sido, na região dos Lagos, uma boa alternativa diante da famosa, badalada, internacionalizada e caríssima Búzios, destino certo de qualquer campista que se preze (e que tenha alguma grana, claro).

 

Mas Rio das Ostras é diferente. Além de ser consideravelmente mais barata, a cidade permanece mais popular, em um sentido bem raiz do termo. Ao me deparar com a programação, tomei conhecimento do divulgado evento Carnajazz. Em princípio, trata-se de um evento, digamos, mais alternativo, só para usar aqui um conceito eivado de ambiguidade. Mas digo isso pois a programação, em princípio, seria para um público mais “distinto”, ou, talvez, de “classe média”. Na prática, felizmente, as nuances do carnaval e da nossa distinção social atravessam (mas nem sempre) tais definições.



Foto por Fernando Maia (Prefeitura do Rio)

 

Como um professor intelectualizado, de gosto refinado, esquerdo macho que tenta lutar contra seu machismo, claro, fui direto no evento destinado a mim. Que bobagem. Por sorte (não só para mim, mas para o público), o principal show da noite foi um tributo conjunto a Tim Maia, Renato Russo e Cazuza, com três covers que se revezaram no palco, interpretando as músicas de seus (nossos, na verdade) ídolos em ritmo de carnaval. Nada mais cult...porém...nada mais popular!

 

Sejamos justos. Boa parte do repertório de Tim Maia, atualmente, ao lado de Jorge Ben Jor e outros, faz parte do que há de mais sagrado para os milieus intelectualizados/progressistas/cults/de esquerda etc. Nada contra. Na verdade, eu to por ai...mas, com moderação...O ponto é que aqui ele ganhou outra roupagem. O Tim Maia que eu vi é um homem do povo. E esse provavelmente é o verdadeiro Tim...foram executadas algumas de suas canções mais conhecidas pelo grande público. No caso do Renato, é mais simples. Alguns milieus cults na verdade rechaçam o trovador de Brasília e sua banda de playboys que não tocam porra nenhuma como não sendo de boa qualidade sonora. Isso é fato, mas o ponto aqui é outro...O povo foi ao delírio com a execução de Faroeste Caboclo e as imitações (quase clichês, diria alguém bastante cult?) de seu cover fiel.

 

Por fim, o Cazuza deu um show a parte. Irreverente, ele ditou o ritmo da apresentação com a reprodução das óbvias, porém sempre aceitáveis canções mais famosas do repertório. Eu fiquei de boa tomando minha cervejinha gourmet e a noite foi legal. Moral da história: nada é tão cult como parece e o sentido das coisas depende sobretudo de sua apropriação. O show foi cult pra quem é cult (ou se acha né?) e popular, verdadeiramente, pra quem é popular.

 

Do outro lado do agradável bairro de Costa Azul, na verdade, é onde “o bicho pega”, disse-me este sábio amigo que comigo estava. Fomos conferir, só pra completar a resenha...A parte da festa que de verdade mais me agradou, assumindo meu lado cult/bom gosto/capital cultural, foi a execução de sambas e sambas-enredo raiz (com direito a três puxadores e cavaquinho em cima do trio) por um ou dois trios que tive a chance de ver passar, sentado no quiosque e tomando uma cervejinha que já não era tão gourmet...Mas tava valendo, àquela altura do campeonato...

 

O desfecho foi quando o trio elétrico mais badalado e divulgado, no último dia, abriu mão do carnaval raiz para dar o papo reto. Alguns DJs foram responsáveis pela animação que é marcada, sobretudo, pelo Funk. Quando me dei conta, a multidão tinha tomado uma dimensão que há muito eu não via. Em meio a alguns funks bastante conhecidos pelo público, o animador mandava umas pérolas do tipo “quem tem amiga piranha aponte pra ela”, “quem tem amigo gay aponte pra ele”, “quem tem amigo corno do seu lado dê um abraço nele agora”. Simplesmente genial.

 

Aqui, as categorias analíticas/intelectuais da sociologia ou da antropologia não são suficientes, a menos que entendam que é o próprio povo quem diz o que é politicamente correto ou não. Sobre isso, as discussões identitárias fazem pouco sentido, por não entenderem que a principal identidade é a do próprio povo, que curte a verdadeira música popular. Não aquela do nosso Chico, que fique claro, mas aquela que permite à mulher, ao gay, ao não binário, ao homem, a quem não se define, ao pobre, ao classe média cult, ao rico, enfim, a quem desejar, balançar a sua bunda onde e como quiser. Afinal, a bunda não é sua e você não tem nada a ver com isso...


Créditos da foto: MAIA, Fernando. Prefeitura do Rio/Riotur. Disponível em: https://prefeitura.rio/riotur/terceiro-final-de-semana-do-carnaval-de-rua-2025-tem-45-atracoes-por-toda-a-cidade/. Acesso em: 06 mar. 2025.

 
 
 

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