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Michael Burawoy e a sociologia como inspiração

Foto do escritor: sitenuesdesitenuesde

Por Fabrício Maciel


Fotografia retirada do The Economic Sociology and Politcal Economy community.
Fotografia retirada do The Economic Sociology and Politcal Economy community.


A súbita passagem de Michael Burawoy tomou a todos nós de assalto. Não queremos acreditar. A sociologia global perde, neste exato momento, uma de suas fontes mais potentes e inspiradoras. Michael não foi apenas um professor renomado, autor de vasta obra. Ele foi muito mais do que isso, tornando-se o principal idealizador do que hoje conhecemos como sociologia pública. Nesta breve nota, procurarei ressaltar um pouco de sua grande importância para todos nós. Michael foi professor emérito da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Além disso, foi presidente da Associação Americana de Sociologia, em 2004, presidente da Associação Internacional de Sociologia entre 2010 e 2014, além de idealizador e editor por longa data da revista Global Dialogue, a magazine da ISA, atualmente publicada em mais de quinze idiomas, com três edições anuais. A concretização e continuidade da revista é uma das principais realizações do ideal de sociologia pública de seu criador. Dentre sua vasta obra, podemos destacar os livros Manufacturing consent: changes in the labor process under monopoly capitalism (Chicago: University of Chicago Press, 1979), The politics of production: factory regimes under capitalism and socialism (Londres: Verso, 1985), The extended case method: four countries, four decades, four great transformations and one theoretical tradition (Berkeley: University of California Press, 2009), além de sua recente e belíssima autobiografia intelectual, intitulada Public Sociology (Cambridge: Polity Press, 2021). Dentre estes, Manufacturing consent é sem dúvida um livro incontornável para as discussões sobre trabalho e capitalismo na contemporaneidade. Por outro lado, em Public Sociology o autor nos brinda com sua importante distinção entre sociologia pública, sociologia política, sociologia profissional e sociologia crítica. A distinção entre elas conformaria para ele uma divisão do trabalho sociológico. Assim, a sociologia pública deveria buscar um diálogo com o público para além da academia, no qual ambos os lados pudessem aprofundar seu entendimento sobre questões públicas, tarefa à qual o autor dedicou boa parte de sua vida. Isto seria o oposto de uma sociologia profissional, criada pelos e para os sociólogos, sem a qual, entretanto, a sociologia pública não poderia existir. Esta também se distingue da sociologia política, considerando que Michael, assim, definia a aplicação da sociologia profissional a interesses e problemas de organizações, agências e corporações. Por fim, caberia à sociologia crítica se interrogar sobre os pressupostos metodológicos, filosóficos e teóricos dos programas de pesquisa da sociologia profissional. Com isso, esta última imbuiria as demais com propósitos morais. No Brasil, a obra de Michael possui ampla influência por longas datas, especialmente na sociologia do trabalho, mas também na teoria social e no pensamento brasileiro. Neste contexto, podemos destacar a publicação das obras Marxismo sociológico: quatro países, quatro décadas, quatro grandes transformações e uma tradição crítica (São Paulo: Alameda, 2014), Por uma sociologia pública, com Ruy Braga (São Paulo: Alameda, 2023, 2ª edição) e O marxismo encontra Bourdieu (Campinas: Editora da Unicamp, 2010), com organização de Ruy Braga. Neste último, o movimento realizado por Michael, no sentido de encontrar criticamente a obra de Bourdieu, considerando este o grande intelectual público de seu tempo, é uma aula magistral de como realizar pontes sociológicas com beleza, respeito e profundidade. Como se não bastasse, ele ainda nos brinda com encontros imaginários de Bourdieu com Marx, Gramsci, Fanon, Beauvoir e consigo mesmo, além de um instigante encontro entre Bourdieu e Wright Mills. A capacidade e criatividade intelectual de Michael não tinha limites. Era um apaixonado. Paixão que se explica apenas por seu engajamento político sincero e profundo. Em homenagem e respeito à sua obra e personalidade inestimáveis, republicamos agora aqui no Blog da BVPS um texto de Michael que tivemos o privilégio de publicar em português no ano passado, na coletânea Re-trabalhando as classes no diálogo Norte Sul: trabalho e desigualdades no capitalismo pós-covid (São Paulo: Editora da Unesp, 2024), organizada por mim, ao lado dos queridos amigos Elísio Estanque e Agnaldo Barbosa. O texto intitula-se “Caminhar em duas pernas: o marxsimo negro e o cânon sociológico”, e a tarefa, desta vez, nobre como sempre, tratando-se de Michael, consiste em resgatar e sistematizar uma certa tradição de pensamento negro marxista e ao mesmo tempo contestar com seriedade e conteúdo parte do cânon sociológico sacralizado por décadas entre nós. Não se trata simplesmente de buscar sacudir levianamente um certo panteão de autores estabelecidos, mas sim de coloca-los o tempo todo à prova das questões contemporâneas mais urgentes, o que os permite continuar provando sua validade de clássicos. Neste movimento, é inevitável a consideração de nomes que foram esquecidos ou apagados na história da sociologia e do pensamento crítico. No caso aqui em questão, Michael resgata especialmente as obras dos pensadores negros W.E.B Dubois e Frantz Fanon, injustamente minimizados em seu tempo e ao longo da história da disciplina. O primeiro é hoje evocado por muitos como um clássico dos clássicos, ao lado de Marx, Weber, Durkheim e Simmel. O segundo, como um “clássico contemporâneo”, que hoje vem retomando seu devido lugar. Mas atenção! Não se trata simplesmente de resgatar alguns nomes da moda e afirmar veementemente que os mesmos devem acessar o Olimpo do pensamento. Trata-se, isto sim, de tarefa muito mais árdua e séria, a saber, a de colocar os autores à “prova de fogo”, o que significa que os mesmos precisar ter uma obra que tenha dado conta, em boa medida, das principais questões sociais de seu tempo. Mais uma vez, Michael nos presenteou com aquela que talvez tenha sido a sua maior habilidade intelectual, e que tanta falta faz em boa parte do que produzimos atualmente, ou seja, buscar elos produtivos entre autorias e correntes intelectuais distintas, sem preconceito e intolerância. Que seu legado permaneça vivo e influenciando positivamente muitas gerações! Vá em paz grande mestre!


*Texto publicado originalmente no Blog da Blibioteca Virtual do Pensamento Social. Disponível em: https://blogbvps.com/2025/02/05/homenagem-michael-burawoy-1947-2025/.

*Fotografia retirada de outro texto em homenagem ao Sociólogo: https://economicsociology.org/2025/02/05/rest-in-peace-and-power-michael-burawoy/

O livro mencionado “Re-trabalhando as classes no diálogo Norte Sul: trabalho e desigualdades no capitalismo pós-covid” você encontra no site da Editora Unesp e também na Amazon. https://editoraunesp.com.br/catalogo/9786557112243,re-trabalhando-as-classes-no-dialogo-norte-sul.

 
 
 

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